A suavíssima melhora de vários indicadores conjunturais da economia brasileira nos últimos meses, tais como vendas do comércio, produção industrial e emprego, gestou uma discussão na imprensa sobre a retomada de taxas positivas de crescimento e sobre a possibilidade desta retomada se sustentar e até mesmo se ampliar nos próximos anos.
É importante arrolar os elementos da discussão e discutir a validade dos argumentos. Primeiro, independentemente de colorações políticas, não se pode brigar com os números. Afastados um ou outro desvio estatístico de alguma variável, não creio ser possível negar uma melhora muito leve dos indicadores típicos de conjuntura, sejam os de produção e vendas, sejam os de confiança, inadimplência e emprego. São avanços muito tênues e construídos em cima de bases frágeis – o que ajuda a forjar a melhora –, mas não é possível negar que o pior já passou. A analogia comum é com uma bola lançada no fundo de um poço seco; ela bate no fundo e repica, naturalmente sobe. A questão é saber a intensidade da subida e sua sustentação, mas não se nega que a bola parou de cair.
Um segundo ponto é ter claro que, passados os efeitos da guinada da política econômica ocorrida em 2015, com a correção dos preços administrados e da taxa de câmbio e a consequente escolha de uma recessão para controlar a inflação que viria a seguir, o próprio passar do tempo se encarregaria, como o fez, de “digerir” boa parte dos efeitos negativos daquela escolha. Propor uma recessão supostamente controlável para uma economia que já vinha em franca desaceleração (em 2014) foi um erro e a combinação de crise econômica com crise política nos legou dois anos de forte queda do PIB, acumulando mais de 7% de perda, com queima de capital das empresas e de empregos.
Contudo, era de se esperar que tal crise passasse. Contando com o respaldo de uma super safra de produtos primários e de uma retomada do mercado internacional, o ano de 2017 marca o final da recessão; um final triste e sem méritos, mas um final.
A inflação elevada de 2015, em função dos reajustes propostos no início do ano, foi sendo absorvida e seguiu uma marcha cadente, ajudada, em grande medida, pela queda do PIB, pelos juros altos e pela restrição do crédito. Estes fatores custaram a fazer efeito sobre a inflação, que ainda foi alta em 2016, mas acabaram por segurar os preços. O fechamento de 2017 já vai ter inflação no piso da meta (3%) e juros em ritmo firme de queda. Isto é dado; o que se discute é se a política econômica não poderia ser relaxada bem antes, principalmente com a queda dos juros, diante de tamanha fraqueza da atividade. É claro que podia, mas seus gestores preferiram a margem de segurança de operar com uma economia travada para obter melhores resultados com a inflação. E a margem de segurança era dada pela possibilidade de atribuir a responsabilidade à crise ao Governo Dilma, mais um caso de “herança maldita”.
Um terceiro ponto do debate se refere à especulação sobre o tipo de recuperação, se ela se constitui quase que natural, de caráter meramente conjuntural e talvez sem força de se perpetuar, ou se ela traz elementos de mudança mais consistentes e capazes de gerar um crescimento mais alongado no tempo. Os defensores da segunda opção argumentam mostrando a queda dos juros – acreditando na sua permanência – e apontando para outras mudanças: algumas por se efetivarem, como a reforma trabalhista, a TLP e a “lei do teto dos gastos”, e outras ainda pendentes, como a reforma da previdência e a sempre prometida reforma tributária. Tais medidas trariam modificações de caráter estrutural nas relações econômicas a ponto de construir um novo ambiente, mais propício à sustentação de taxas de crescimento maiores.
Não acredito nas possibilidades da segunda opção, até porque vários de seus elementos devem sofrer reveses, a começar pela queda da taxa de juros. A margem de manobra dada pela inflação excepcionalmente baixa de 2017 vai passar e não há nada que sustente juros baixos num novo contexto de crescimento, mesmo que moderado. Safras maravilhosas não se repetem todos os anos e pressões de preços de commodities bem podem aparecer, dado o crescimento mundial. Para completar o quadro, a ameaça de crise energética continua presente. No sistema de metas de inflação seguido pelo Brasil, projeções de IPCA além da meta exigem elevação dos juros, mesmo que as altas de preços venham pelo lado da oferta.
E muitas das reformas propostas por Temer devem ser revertidas pelo novo governo eleito em 2018. Por exemplo, com a obrigação de cumprir promessas de campanha, o novo presidente possivelmente tenda a negociar com o Congresso um relaxamento da “lei do teto”, recuperando sua capacidade de fazer políticas públicas. A restrição fiscal deve diminuir, repondo a parte da demanda agregada que é derivada do setor público. Uma verdadeira mudança estrutural, perpassando vários aspectos das relações econômicas e sociais, deveria vir da força política do debate eleitoral de 2018. Isto nos remete para a qualidade de tal debate e a consequente legitimidade do vencedor, sem jogadas mágicas nem heróis de ocasião. Por enquanto, os movimentos conjunturais continuam dominando a cena.
Fonte:Alagoas24Horas